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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Em busca do sinal de Wi-Fi gratuito perdido

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Por Gilberto Amendola
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Turista usa fone de ouvido em Sevilha, na Espanha. Foto: Marcelo del Pozo/Reuters Foto: Marcelo del Pozo/Reuters

Mãos trêmulas, suor escorrendo pela testa, coração acelerado, boca seca, calafrios... Esses são os sintomas clássicos de quem está na fissura, precisando urgentemente de uma dose de Wi-Fi gratuito.

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Você está andando sozinho pelas ruas de uma cidade estrangeira, lamentando não ter comprado um chip qualquer ou investido uma pequena fortuna no plano de roaming internacional da sua operadora. 

Você vai pirar, você vai começar a se contorcer de ansiedade, você já está vendo a luz do outro lado do túnel!Pior, no mundo dos mortos toda a rede é protegida e você não sabe senha nenhuma. Senha nenhuma!

Mas eis que ela surge tal qual uma esperança: a multinacional do café!

E você vai ultrapassar a porta de vidro do estabelecimento como quem recebeu uma segunda chance nesta vida.

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Mano, você pagou caro em uma passagem aérea e ainda nem fez o "lerê" básico do turistão. O sol nasce diferente nesse hemisfério, mas você ainda prefere a luz brilhante do seu smartphone. 

Bate aquela necessidade de conferir o "Face", de postar uma coisinha no "Insta", de dar um oi para os amigos, inteirar-se do noticiário ou visualizar o último meme sem graça que algum parente distante enviou. 

Mano, de novo, você cruzou um oceano inteiro. O dólar ascendeu aos céus feito o padre dos balões e você vai gastar tudo em cappuccino aguado. 

Então você preenche o formulário que vai te levar ao paraíso da conectividade. Além disso, começa a sentir o cheiro do café e se sentir confortável com o ar condicionado. Você arruma um lugarzinho no sofá e vai ficando, ficando...

Você cai no sono e dorme ali mesmo – no sofá da rede multinacional de café.

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E você sonha com centenas de pessoas entrando e saindo do café. Uma dessas pessoas é você. Sim, você no colo da sua mãe. Um bebê chorão embrulhado em trapos coloridos. Depois, você vê uma criança correndo entre os clientes e quase batendo a cabeça na quina de uma das mesas. Essa criança também é você. No outro canto do salão, um jovem casal se beija – e você é o carinha beijando a menina. Um homem reclama do troco errado. Ele diz que está atrasado e não tem tempo a perder. O homem reclamão é você também. 

Você acorda assustado. Olha o relógio do celular e percebe que já é tarde. Antes de se levantar, percebe que, ao seu lado, um velho de barbas brancas está olhando o celular e esperando uma mensagem de WhatsApp do além. 

Esse homem velho não é você. Ainda.

Você sai correndo da multinacional do café. Atravessa a rua e acena, desajeitadamente, para um ônibus vermelho de turismo, um hop on/hop off. Desses que são ridículos, cafonas e sempre representaram aquele tipo de turista que você não quis ser.

Mas você sobe nesse ônibus, senta-se no último andar e, com o vento no rosto, chora ao passar por um monumento, por um palácio, por uma ponte, por uma casa, por uma rua, por gente de verdade entrando e saindo de redes multinacionais de café.

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Você lembra que o ônibus oferece Wi-Fi gratuito. Tira o celular do bolso e percebe que a bateria está por um triz. Acende a lanterna do celular sem nenhuma necessidade até que a tela se apague. A bateria morreu. Você, não.

Mano, a sua viagem começou.

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