Embarque em uma viagem musical pelos ritmos de Cuba

Um giro de doze dias por várias regiões da ilha revela uma riqueza de novos gêneros formados pelo cruzamento de influências africanas com referências pescadas na internet

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Por Shannon Sims
Atualização:
Grupo de Conga ensaia para o carnaval nas ruas de Santiago de Cuba Foto: Todd Heisler/The new York Times

Alguns destinos podem ser visitados exclusivamente por causa da música. No Brasil, o Rio de Janeiro é “o” lugar para quem quer conhecer o samba. Salvador, por sua vez, é a terra do axé e outros ritmos africanos. Da mesma maneira, nos Estados Unidos, a cidade de New Orleans, na Louisiana, atrai milhares de fãs de jazz todos os anos, enquanto Memphis (Tennessee) é parada obrigatória para devotos do blues, do soul e do rock.

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Cuba também está mergulhada em música. Os sons dos instrumentos vêm de todos os lugares, emanando de bares, das casas ou de cerimônias religiosas. Para muitas pessoas que visitam a ilha, a música cubana é definida pelos sons tradicionais do Buena Vista Social Club ou Celia Cruz. Mas a música cubana extrapola esses sons: suas raízes são africanas, haitianas, francesas e espanholas. Os gêneros se juntam e se separam, formando infinitamente novas formas e sons.

Num esforço para compreender melhor Cuba através da sua música, eu e o fotógrafo Todd Heisler viajamos de Havana até Santiago de Cuba, a sudeste do país. Durante 12 dias, passando por buracos e cidades de praia, rodando por colinas verdes, partimos em busca das raízes musicais de Cuba. Aguardamos o início de shows à meia-noite debaixo de chuva, fomos a praças centrais para ouvir orquestras locais e tentamos não ranger o assoalho durante sessões de gravação fechadas.PARA LER OUVINDO - Confira a playlist feita especialmente para esta reportagem

Com tempo suficiente conseguimos incluir a salsa, o son cubano, o hip-hop e outros gêneros e paramos em outros locais famosos pela música, como Pinar del Río e o Baracoa.

Aprendemos a tocar instrumentos estranhos e tentamos compreender as letras das músicas que falam de sanções econômicas até santería. E acabamos parando num local caindo aos pedaços e úmido no centro da ilha para ouvir uma cantora e sua guitarra. Sob o sol abrasador dançamos ao som de uma parada de rua liderada por crianças descalças.

Não foi uma viagem fácil. As coisas com frequência não foram simples em Cuba: os táxis deixam você atordoado com seus escapamentos abertos; as acomodações que anunciam Wi-Fi e ar-condicionado com frequência não têm; as prateleiras dos supermercados estão quase vazias; e o calor do verão cubano, quando estivemos lá, não deve ser subestimado. Mas a ilha tem uma cura perfeita e onipresente para qualquer problema de um viajante: música ao vivo, autêntica e irresistível.

Bar à beira-mar em Gibara, cidade nonordeste de Cuba Foto: Todd Heisler/The new York Times

Momento mágico em Gibara

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“O show começa às 10”, disse-nos Carlos na noite em que chegamos a Gibara, uma remota cidade de praia a nordeste de Cuba. No meu relógio, eram 2h11 da manhã quando finalmente a banda que estávamos aguardando subiu ao palco. Em questão de segundos, nos vimos envolvidos pelo som de bongôs, reco-recos, chocalhos, trompetes, saxofones e o falsete do cantor chamado Cimafunk.

Os nove músicos da banda não só estavam tocando naquela noite, mas também comemorando o aniversário de Cimafunk, cujo nome real é Erik Iglesias Rodríguez, com seu cabelo com corte militar, uma atitude tipo Bruno Mars e uma camisa com estampa de leopardo, saia havaiana aberta que balançava como a brisa, e era o centro das atenções. Fascinada, a multidão de centenas de pessoas dançou até a madrugada com os braços levantados no ar. Elas conheciam a maior parte das letras das músicas.

Foi um momento mágico. Mas difícil de classificar. A banda de Cimafunk faz algo parecido com uma mistura de jazz e funk, e é esse o desafio da música cubana. Ela costuma ser descrita como uma árvore com várias raízes primárias e muitas ramificações. Dividir a música da ilha em gêneros distintos, no entanto, é uma tarefa fracassada por natureza. Ela se entrelaça e se cruza. E ficou ainda mais complexa nos últimos anos: os estilos mudam a uma velocidade cada vez maior, à medida que os cubanos mergulham em todas as possibilidades oferecidas pela internet.

Por toda a ilha, encontramos músicos usando sons tradicionais e lhes dando nova forma, encontrando novas maneiras de chegar ao público. A música cubana está em modo turbo. “Desejo-lhe sorte em tentar descrever a música cubana com palavras”, disse-me um morador na noite em que fomos a Gibara, depois de uma parada para comer um sanduíche de carne de porco. “A maneira de conhecer a música cubana é ouvi-la por você mesmo.” /TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO

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