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Entre azulejos portugueses

Objetos vintage - aqueles que foram moda e voltaram a ser - carregam histórias de tempos diversos

Por Bruna Toni
Atualização:
Capela de Santa Catarina (ou das Almas), no Porto, é toda revestida de azulejos Foto: Bruna Toni/Estadão

Essa coisa de moda vai e volta, todo mundo já sabe. As roupas do momento de anteontem ficaram velhas ontem. Hoje, porém, já estão novamente nas vitrines, a preços altíssimos. Vale para os discos, para os bolos caseiros, para os móveis, para os nomes, para tudo que foi um dia descolado e que neste instante volta a ser, ganhando ainda a valiosa etiqueta de vintage. 

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Não nego que muitas coisas deste universo são realmente interessantes e seduzem. Até porque, em geral, elas têm a ver com o passado afetivo de cada um. Ter uma bolacha de Titãs, Cabeça Dinossauro, é sentir o gostinho de experimentar o auge do rock no Brasil dos anos 80 mesmo sem ter vivido na época. Comer um bolo de laranja quentinho numa terça-feira à tarde da marca Vovó alguma coisa é relembrar cheiros e sabores da infância. Ter um móvel rústico é alimentar o sonho de uma casa ampla e arejada, distante dessas de 50 metros quadrados de hoje em dia.

Memórias pessoais à parte, há ainda um outro motivo para que o clássico de ontem seja tão apreciado no presente. Um motivo que, como historiadora, vejo com entusiasmo – ao menos até notar os números absurdos depois dos cifrões no adesivo do preço. Objetos também carregam a história dos tempos, contando muito sobre a cultura do lugar onde surgiram e/ou onde fizeram ou fazem sucesso.

Quem já visitou um cemitério de azulejos – sempre dou um sorriso com este nome curioso – sabe o quanto custa caro um quadrado ornamentado antigo e restaurado. Nunca tive a oportunidade de ter uma peça estampando as paredes da minha casa, mas fiz questão de me esbaldar em Portugal, onde os tradicionais azulejos azuis e brancos, mas também coloridos, estão por todas as partes. 

Todas as partes é exagero, visto que decoração com azulejos trabalhados com técnicas muito precisas chegou ao país entre os séculos 15 e 16 para ostentar igrejas e residências da nobreza. Sim, chegou, porque apesar de Portugal ter criado um estilo singular e de grande valor monumental, o revestimento de paredes com azulejos tem como referência a cultura hispano mourisca. Desde o nome, azulejo, que vem do árabe az-zulaich, até as primitivas técnicas de corda seca e aresta, ainda presentes na fabricação de peças.

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Ambas têm a ver com a aplicação do esmalte ao barro sem deixar com que as cores se misturem. Enquanto na primeira a separação é feita por meio de linhas negras, formadas com o aquecimento da peça, na segunda o barro cru é colocado em um molde com o desenho em profundidade. Depois de seca, a peça é cozida e as cores de cada parte se limitam aos espaços contornados pelas arestas salientes que surgiram.

E tanto quanto as cores, as temáticas dos famosos azulejos portugueses também são muito importantes e foram se transformando ao longo do tempo. Durante o século 15, ainda sob grande influência do que era produzido em Sevilha e Toledo, cidades espanholas que respiram cultura islâmica há séculos, a moda eram as figuras geométricas entrelaçadas e as laçarias. Até que estas foram, pouco a pouco, dando lugar ao mundo simbólico europeu, com seus motivos vegetais e animalescos e gostos pela arte gótica e renascentista. E ainda é possível encontrar aqueles painéis, retábulos e frontais de igrejas cobertos por azulejos cuja narrativa é claramente inspirada nas tapeçarias asiáticas.

Descobri tudo isso percorrendo as ruas de Portugal e adentrando seus grandes espaços religiosos e nobres, como a Sé Velha de Coimbra; o Palácio Real de Sintra; a Estação Ferroviária de São Bento e a Capela de Santa Catarina, ambas no Porto; e, especialmente, gastando um bom tempo nas proveitosas salas do Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa. 

Sediado num edifício de 1509, ou seja, com história paralela a do próprio azulejo, o espaço é indispensável a amantes de decoração e história. Tanto para entender o tal “horror ao vazio” que tinham os portugueses de ontem quanto para decifrar o orgulho e apego ao passado que têm os (vintage) de hoje. 

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