Matanzas se conecta com os orixás ao som da rumba

Cidade portuária a 1h30 de Havana é berço do gênero musical, que tem forte influência africana e percussão vigorosa

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Por Shannon Sims
Atualização:
Em Matanza, a 1h30 de Havana, pescadores andam de bicicleta por ruas estreitas Foto: Todd Heisler/The new York Times

Matanzas fica a 1h30 de Havana, capital cubana, no sentido leste – um porto cercado por um rio ladeado por palmeiras. Os pescadores ali andavam de bicicleta pelas ruas estreitas, com suas varas de pesca, e buggies puxados a cavalo circulavam pela região. Musicalmente, a cidade é conhecida pela rumba, estilo com forte influência africana. 

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Durante os séculos 18 e 19, Matanzas foi centro do comércio de escravos vindos da África Ocidental para trabalhar nas plantações de cana de açúcar. Nos portos da cidade, eles encontraram maneiras de continuar com suas práticas religiosas em segredo.

“Eles tocavam com qualquer coisa que tinham à disposição”, disse o músico Diosdado Enier Ramos Aldazábal, 36, o Figurín. “Eles usavam garfos, garrafas de rum, caixas, e tocavam”, disse. “Não sei se a rumba é africana ou cubana, apenas sei que ela vem de dentro de nós.” 

Figurín  fala com propriedade: ele faz parte da banda de rumba mais importante de Matanzas, a Los Muñequitos. Mais que uma banda, Los Muñequitos são uma família: muitos dos membros são parentes e o grupo hoje está na sua terceira geração. O grupo foi formado na década de 1950 com oito membros e hoje são 18. Para a maior parte dos músicos a rumba não é sua principal ocupação, mas é sua paixão.

Instrumentos de percussão da rumba, estilo com forte influência africana Foto: Todd Heisler/The new York Times

Essa paixão transparece no uso da clave, instrumento que, para um estrangeiro, parece dois paus de madeira com a largura e comprimento de uma cenoura. Mas, nas mãos de músicos como Los Muñequitos, se torna uma linha direta da África para Cuba e surge quando o maestro estabelece o ritmo e a tonalidade de todos os outros instrumentos, como a maraca e o tambor iorubá chamado “batá drum”. Outros elementos de percussão são comumente adicionados e a música se transforma numa multidão de sons, uma cascata de compassos.

Como a rumba é polirrítmica, com muitos ritmos acontecendo ao mesmo tempo, para um estranho é um som cacofônico e desorganizado. Mas se a sua mente não tentar procurar o ritmo terá uma chance melhor de encontrá-lo.

A percussão da rumba chega ao auge pela música, que é uma chamada e resposta. Para alguns músicos e pessoas que estão ouvindo, é uma experiência religiosa. O público é também formado por praticantes da religião afro-cubana santería, que tem muitas semelhanças com o candomblé praticado no Brasil

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As letras das músicas de rumba clamam para os orixás e a vida dos fiéis. “As letras falam de felicidade”, explicou Figurín. O pai do músico, Ramos Cruz, de 73 anos, também é integrante do Los Muñequitos e concorda com o filho. “Esta é uma maneira de, mesmo sem dinheiro, você ser feliz. Tem a ver com superação”, afirma.

Tradições iorubás unem Brasil e Cuba

Tanto no Brasil quanto em Cuba, religiões de matrizes africanas têm bastante importância – e são muito parecidas. Isso porque muitos dos escravos levados aos dois países foram capturados na África Ocidental e pertenciam à nação iorubá (uma região onde hoje se encontram países como Nigéria, Benim e Camarões).

No Brasil, o culto aos orixás, os deuses que controlam forças elementais como o vento, a água e a terra, ficou conhecido como candomblé. Em Cuba, virou santería. O uso de tambores e música em seus rituais é um ponto em comum entre as duas tradições e levou à criação de ritmos como o samba e a rumba.

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