No embalo do Rio Negro, no Amazonas

Hospedagens simples, passeios conduzidos pelos moradores e muita autenticidade dão a tônica da visitação à Região de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro

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Por Vitor Tavares
Atualização:
Estradas d'água.As pequenas embarcaçõessão o principal meio de transporte em povoados como o de Tumbira, na margem do Rio Negro Foto: Vitor Tavares/Estadão

De Tumbira

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Com o guarda-chuva na mão – que na verdade guardava o sol –, a moça via seu barco se afastar da margem do Rio Negro. E o tratava como parente: “quem mandou você ir embora?”, questionava, enquanto corria para não deixá-lo escapar. Não deu tempo nem de perguntar o nome dela. Só saber que embarcava “para ir na casa da comadre” na comunidade vizinha à sua, no meio da floresta amazônica.

A cena – pessoas em seus pequenos barcos, fazendo o rio de rua na imensidão da mata – ia se repetir diversas vezes ao longo da viagem. Um contraste dos grandes para quem tinha deixado Manaus para trás há pouco, com seu trânsito complicado, de avenidas estreitas e quase sem a presença da floresta no dia a dia. Vale lembrar, estamos falando da sétima maior cidade brasileira, com seus mais de 2 milhões de habitantes, de acordo com o IBGE.

A poucos quilômetros da urbanização da capital amazonense e do município metropolitano de Iranduba, a Região de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro guarda um pedaço preservado, belo e acessível da Amazônia para os turistas. É como se fosse um refúgio e uma aproximação de um Brasil genuíno, que segue vivendo de jeito simples, devagar, conectado com a terra (e a água), no meio das árvores e dos igarapés.

Ser uma RDS significa, em termos gerais, ser uma área de proteção ambiental e, com isso, de regulação no sentido da exploração econômica. Desde 2008, quando a região do Baixo Rio Negro ganhou essa classificação, a vida de muitos “caboclos” mudou. É o caso de Roberto Mendonça, que, como a maioria das pessoas da região, sustentava a família com a retirada ilegal de madeira da floresta. “Foi como se tivessem tirado nosso sustento. As pessoas passaram a ser presas, e a gente, que vivia da floresta, ficou sem rumo. Era o que sabíamos fazer”, conta.

Hoje, Roberto é dono de uma pousada na comunidade do Tumbira, a cerca de uma hora de Manaus pelo rio em uma lancha de alta velocidade. O turismo, diz ele, mudou sua forma de enxergar a floresta como sua aliada na criação dos filhos. “Agora eu a acho mais bonita e sei que preciso preservá-la para que ela continue atrativa”, destacou o ex-madeireiro da terceira geração da família, que faz parte do programa de apoio ao empreendedorismo da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Optar pela hospedagem dentro das próprias comunidades – e não estamos falando aqui de aldeias indígenas, mas de pequenos núcleos com 100, 150 pessoas – é uma forma de vivenciar mais intimamente a vida dos ribeirinhos e a própria Amazônia. A internet e o sinal de celular praticamente não chegam, e as opções de refeição são basicamente restritas à alimentação dos locais, com seus deliciosos peixes tambaqui e pirarucu e as frutas típicas, como cupuaçu e tucumã.

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Tumbira. Visita a casa farinha mostra o processo de preparação do alimento Foto: Vitor Tavares/Estadão

Referência entre as comunidades da região próxima a Manaus, Tumbira é quase um ‘coração’ da RDS Rio Negro, por contar com estrutura desenvolvida de educação, saúde e geração de energia elétrica – ainda é um luxo ter luz o dia inteiro por lá. Para os turistas, é possível participar, junto aos guias locais, de trilhas aquáticas e terrestres, observação de jacarés e pássaros, passeios de canoa, para cachoeira, além de grupos de artesanato e de produção de farinha, que, por sinal, é uma das grandes delícias da Amazônia.

Dá praia. A melhor época para visitar a região é quando o rio está mais seco, proporcionando o aparecimento de pequenas prainhas que contrastam a água escura do rio com a areia clarinha. Isso acontece normalmente entre setembro e fevereiro, período em que as chuvas são mais escassas. Os meses também são ideais para quem quer explorar Anavilhanas, o arquipélago fluvial que é um dos tesouros do Amazonas. As ilhas formam um verdadeiro mosaico verde em meio ao negro do rio e, quando não há praia para curtir a beleza selvagem por horas, é possível fazer o passeio por entre a floresta e se sentir bem pequeno diante dela.

O passeio para interagir com os botos costuma conquistar os turistas. Possivelmente, você irá vê-los no caminho em direção às comunidades, nadando do lado dos barcos. Mas, se intenção é chegar perto dos animais, os ribeirinhos conseguem proporcionar a experiência em áreas próprias para isso. A dica é conversar com as pessoas que fazem o passeio para saber como é feita a interação e ter a certeza que não é uma atividade que estressa os bichos. Quem mora nas comunidades costuma recriminar passeios mais invasivos.

Dicas práticas para a primeira vez na Amazônia

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Fazer turismo na Amazônia requer uma mala um pouco diferente. Você vai precisar de roupas comuns de cidade – leves e frescas, já que o calor é uma constante por lá – para os dias em que estiver em Manaus. E deverá incluir na bagagem itens específicos para se aventurar pela floresta com conforto. 

O “kit floresta” deve ter calça e camiseta de manga comprida – por causa da vegetação e também dos insetos. O Rio Negro tem poucos mosquitos, graças à acidez da água, mas ainda assim é importante levar um bom repelente – recomendamos dois frascos, de marcas e composições diferentes, para ter opção. Protetor solar também é importante, além de boné ou chapéu. E uma mochila pequena para carregar pertences durante as trilhas e os passeios de barco. 

Leve dinheiro em espécie para comprar artesanato e produtos alimentícios nas comunidades durante os passeios; atenção aos valores necessários para pagar hospedagem e refeições fora da capital. O sinal para máquinas de cartão, assim como no caso do celular, é escasso ou até inexistente nos povoados. 

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É importante estar com a vacina contra a febre amarela em dia – ela deve ser tomada no mínimo dez dias antes da viagem. A dose fracionada é suficiente. Tire dúvidas sobre viagens e a febre amarela: bit.ly/viagemfebreamarela.

Atrações.Para os turistas, é possível participar, junto aos guias locais, de trilhas aquáticas e terrestres (foto), observação de jacarés e pássaros, entre outras Foto: Vitor Tavares/Estadão

Saiba mais

Tumbira. Barcos partem do píer de São Raimundo, em Manaus. O Expresso Sharlotte (92-9-9372-9507) vai sexta-feira, às 15h, e volta domingo, às 16h. São 2h30, R$ 40 por trecho. O barco regional Novo Zanny (92-9-9403-5501) vai às terças e sextas, às 20h, e retorna às quintas e domingos, às 23h. Custa R$ 35 por trecho e a viagem dura 4h30; levar rede e avisar alguém da comunidade para ir buscar no barco. A lancha rápida faz 1h15 por trecho e custa R$ 800, com capacidade de até 10 pessoas com bagagem. Na comunidade, hospede-se na Pousada do Garrido e Casa da Dona Vera: R$ 130, com refeições; pousadadogarridotumbira@gmail.com. Passeios incluem focagem de jacarés, casa de farinha, interação com botos e Anavilhanas. Passeios em todas as comunidades custam de R$ 16 a R$ 40 por pessoa.

Saracá e Santa Helena do Inglês. Os barcos, valores e condições são os mesmos do acesso a Tumbira. A Pousada Vista do Rio Negro fica em Santa Helena do Inglês. Custa R$ 125; pousadavistarionegro@gmail.com. Trilhas, a Praia do Iluminado, casa de farinha, pesca com malha, canoagem e jacarés são as atrações.

Nsa. Sra. do Perpétuo Socorro (Acajatuba). A lancha rápida parte do Porto Marina do Davi, do Píer Tropical Hotel e do Píer São Raimundo, faz 1h15 por trecho e custa R$ 800, com capacidade para até 10 pessoas (agende em 92-9-9129-9994 e 92-9-9351-7654). A hospedagem é em redário no restaurante Vista do Lago (reserve em 92-9-9239-5239. Custa R$ 60. Passeios: extração da borracha, trilha, botos, jacarés e casa de farinha.

Ao se banhar nas praias do Rio Negro, cuidado com ferimentos no corpo: eles podem atrair piranhas. É importante entrar na água arrastando os pés na areia, para afastar arraias que estejam na praia; se pisar em uma, ela ataca com o ferrão. 

Passeios para ver a vitória-régia são vendidos em Manaus e nas comunidades ribeirinhas. O nome da planta é uma homenagem à rainha Vitória, monarca da Grã-Bretanha entre 1837 a 1901. Em latim, “régia” vem de “regina” e significa “rainha”

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