Parei na primeira padaria. Pedi um pingado. E pão com manteiga na chapa. O consulado ainda estava fechado. Olhei para o relógio cinco vezes em menos de dois minutos. Adianta ser o primeiro da fila? Por que tão antes do horário agendado?
Sonhei com esse cenário. Preenchi o formulário. Sei tudo o que eu preciso dizer para não ser rejeitado. Estou preparado para ouvir quase tudo.
Exceto uma coisa: visto negado.
Escolhi a roupa mais discreta e fiz a barba. Só não coloquei uma gravata porque achei uma opção exagerada e suspeita. Não quero que pareça uma entrevista de emprego.
Eu só quero ser aceito.
Diz que sim.
Diz que posso cruzar seu território.
Adentrar seu continente.
Comer fast no seu fast-food.
E passar 15 dias gastando... em dólar.
De resto, pode rir do tamanho do meu PIB – não é lá essas coisas mesmo.
Só não me venha com essa história careta de visto negado.
Sou sujeito educado, sem antecedentes ou “posteriormentes”. Veja aí na minha ficha: nada de política.
Que país, me diga, que país não gostaria de ter um cidadão assim tão exemplar pisando o seu solo pátrio?
Só quero tirar umas fotos para o meu Instagram.
*
Bom, já está quase na minha hora. Pago a conta da padaria e sigo o meu destino. Coração está acelerado. Pareço preocupado? Vou na fé. País irmão. Não tem erro. Eles entram aqui no meu terreiro também. O que vale para um acaba valendo para o outro. Como é que chama um negócio desses? Reciprocidade. Se eu te amo, tu me amas.
Vai dar certo.
Trouxe todos os documentos. Certidão de nascimento, reservista, carteira de motorista e comprovante de residência. Fotos 3x4 eu tenho na carteira. E quando me perguntarem sobre a intenção da minha viagem, respondo sem vacilar: férias.
O rapaz na minha frente está demorando demais. Acho que não vai conseguir. Eu também não deixaria entrar. Achei esquisitão. Deve estar indo para morar. Ou pior, sabe-se lá.
Agora, se um cara desses passar é sinal que nem preciso me preocupar.
Vai ser moleza.
Sou uma força da natureza.
Imagina a vergonha? Ser rejeitado por um país? Um país!
É pior do que tomar um não da mulher amada. Que pelo menos é uma pessoa só, né? Coisa que dói, mas passa.
Agora, uma nação inteira te virar a cara? Um país desse tamanho dizer que não quer você por lá? Nem pintado de verde e amarelo! Vou bater em uma madeira imaginária pra isso nunca acontecer comigo. Xô, uruca!
*
Chegou a minha vez.
Sim, yes, sim.
Meu holerite? Ah, claro. Não é grande coisa. Mas é questão de tempo. Já me prometeram um aumento.
Quem pagou minha viagem?
Eu mesmo. Ainda estou pagando. Em suaves prestações.
Só não reservei o hotel. Mas isso eu faço rapidinho pela internet.
Se já visitei outro país?
Teve um dia que fui com uma tia até a fronteira do Paraguai.
Fazer o quê?
Ué, comprar para revender.
Se eu sou casado?
Não, não, tenho andado muito ocupado. Namorei uma chinesa que vivia reclamando.
Pois não...
Minha intenção?
Férias.
Não, não.
Nunca pensei sobre o fim da civilização.
O quê? Normal...
Ah, ocidental.
Desculpe, estou meio surdo. Não, acho que não quero o fim da civilização ocidental.
Mas o senhor me perguntou isso só porque namorei uma oriental?
Não, não... por nada.
Só achei engraçado.
Engraçado, o senhor não ri?
*
VISTO NEGADO.
NEGADO O VISTO.