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Papai Noel em tempo integral

Os bastidores de um encontro com o Bom Velhinho no calor dos trópicos

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Por Bruna Toni
Atualização:

Era um compromisso de trabalho especial – e sui generis – para minha carreira. Meu entrevistado havia viajado mais de 20 horas desde sua residência, em Rovaniemi, na Lapônia, a 830 quilômetros de Helsinque, capital da Finlândia, e São Paulo. Além disso, foram muitos os que tentaram, em vão, encontrá-lo ao longo da vida. Ir às terras gélidas do Polo Norte é ainda para poucos. Assim, era um privilégio tamanho poder ter um encontro com Papai Noel. Foi há três anos, numa feira de turismo internacional realizada na capital paulista. Eu não o conhecia pessoalmente, mas seria fácil encontrá-lo em meios aos stands. Seu traje, como sabemos, sempre foi um conjunto vermelho cintilante de inverno. Ocorre que o calor dentro do galpão que recebia a feira era o assunto mais discutido entre seus visitantes: o ar condicionado, amigos, estava quebrado. Se eu suava indesejadamente, imaginem Noel? Me deparei, por isso, com um senhor despido do tradicional casaco vermelho. No lugar, vestia uma túnica branca, fina e comprida. Estava à vontade no calor dos trópicos; já eu, ligeiramente desconcertada com tal despojamento. Não me julguem. Vocês imaginariam assim o primeiro encontro oficial com uma das figuras mais populares do mundo? “Vamos para aquela salinha? Lá tem ar condicionado”, me disse ele, prático.

O Noel e a repórter: Papai Noel viajou mais de 20 horas para feira de turismo no Brasil Foto: Acervo Bruna Toni

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Há muitos Noéis espalhados por aí e em nossa imaginação. Todos são verdadeiros se assim o desejamos. Aquele sentado à minha frente, porém, era talvez o que desejava a moça que gravou um vídeo inconformada que o Papai Noel do shopping tinha uma jornada de trabalho. Ele era (e ainda é) um Papai Noel em tempo integral. “O que o senhor faz quando não é Noel?”. “Ora, como assim? Sou sempre Papai Noel, este é meu trabalho”, respondeu, frustrando meu plano de tecer o perfil do homem por trás da roupa vermelha.

Era carismático como se espera da figura inspirada em São Nicolau, bispo nascido na atual região da Turquia no século 3.º, lembrado pelos católicos por ajudar os pobres e ser afetuoso com as crianças. Seu dia é 6 de dezembro, quando lugares como a Holanda mantêm a tradição de presentear os pequenos, como ele teria feito em vida. Trocar presentes no dia 24/25 de dezembro nasceu com a Reforma Protestante que, crítica às santidades, buscou deslocar a ação para o dia do nascimento de Jesus. Há ainda lugares, como a Espanha, onde a troca é no 6 de janeiro, dia dos Reis Magos. 

São Nicolau foi trazido à América – e se tornou Santa Claus – pelos holandeses que, expulsos do nordeste brasileiro no século 17, seguiram rumo à Nova Amsterdã, atual Nova York. No século 18, o poema

Twas the night before Christmas

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criou a imagem do Noel como um elfo que descia pelas lareiras para entregar presentes. O desenhista Thomas Nast, pouco depois, o transformou numa figura mais humana, acrescentando o gorro às roupas já vermelhas e as renas como transporte oficial e estabelecendo sua morada no Polo Norte. No século 20, o capitalismo apropriou-se da tradição: numa propaganda de 1931, a Coca-Cola definiu os últimos traços do Bom Velhinho que conhecemos hoje. 

Irredutível, o Noel da Lapônia seguiu dentro do personagem. Entrei na onda e recebi dicas preciosas (hipsters invejariam) sobre como manter brilhosa uma barba branca e encaracolada de mais de um metro de comprimento (sim, ela era verdadeira, eu puxei). 

Não consegui a reportagem do homem por trás da roupa vermelha, mas saí feliz por ter conhecido o mais original dos Noéis. No último Natal, até peguei o mapa e mostrei para uma prima prestes a desacreditar no velhinho onde fica sua vila, que pode ser visitada durante todo o ano e é uma das principais atrações turísticas da Finlândia -

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. Por isso, aliás, meu entrevistado estava naquela feira.

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Enquanto não vou a Rovaniemi, me contento em acreditar na última resposta que ele me deu naquele breve encontro. “É a primeira vez do senhor no Brasil?”, soltei, na esperança de que finalmente ele cederia. “Claro que não. Eu venho todos os anos. Você sabe disso”, disse sorrindo. Estarei à espera, querido Noel.

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