Eu queria enxergar a rua com os olhos do meu cachorro, o Pitoco.
Com ele, todo passeio é uma viagem diferente.
As palavras terminadas em “ar” são imediatamente compreendidas como “passear”. Um dia, assistindo TV, comentei que nunca tinha tido interesse por “caviar”. Imediatamente, ele registrou “passear” e pulou do sofá, correndo até a porta da sala.
A simples possibilidade de uma caminhada faz com que o Pitoco balance o rabo com a alegria de quem acabou de achar uma passagem aérea em promoção.
Ansioso, desembarca do elevador com o alívio de quem enfrenta um longo voo.
E Pitoco chega ao Japão: subindo o Monte Fuji da nossa calçada e pressentindo a chegada das flores na cerejeira de um poste torto.
E Pitoco marcha pela Praça Vermelha: fazendo xixi no muro da escola como se estivesse regando a estátua do Lenin.
E Pitoco almoça em Paris: fuçando no lixo dos croissants perdidos.
E Pitoco brinca em Roma: lutando com o seu porquinho rosa no Coliseu de um canteiro mal conservado.
E Pitoco cai na noite de Nova York: pisando devagarinho na 5.ª Avenida que vai da padaria até a portaria do nosso prédio.
Ele é o melhor tipo de viajante. O viajante-modelo. Do tipo que sempre acorda com o ânimo e a energia de quem vai descobrir coisas novas.
Seus olhinhos de desembrulhar surpresas nunca se cansam. Ele tem a capacidade de se surpreender com a mesma coisa todos os dias – e de ter um coraçãozinho que dispara diante de qualquer cenário rotineiro. Mesmo sem sair da mesma quadra, suas jornadas são cheias de emoção e aventura. Ele presta atenção. Não conhece o tédio.
Com ele, tudo é Monalisa. Tudo é Muralha da China. Tudo é Torre Eiffel.
Toda graminha, um Central Park.
Toda campainha, um Big Ben.
Toda visita, um membro da família real.
Meu sofá, um Everest.
O sol batendo na varanda minúscula tem a mesma luz que varre Wadi Rum, o deserto vermelho, na Jordânia.
A casa dele, sempre a mesma, é um resort em Bora Bora.
A ração, o ossinho, a bordinha proibida de pizza e o que mais for mastigável têm o sabor de um prato assinado pelo chef Massimo Bottura.
Eu queria ler um guia de viagem escrito pelo Pitoco, queria ler sobre as coisas boas e divertidas da vida a partir do ponto de vista dele, queria que ele me desse dicas do que é viver bem e satisfeito, queria respirar o universo de possibilidades que o meu cachorro respirava.
Pois bem, é isso. O Pitoco, que tantas vezes foi personagem dessa coluna, nos deixou no último dia 12.
O amigo que me recebia todo santo dia como se eu estivesse retornando de uma volta ao mundo (ou como se eu estivesse voltando para casa depois de ter sobrevivido a um desembarque na Normandia) não mora mais neste plano.
Meu viajante preferido foi fazer xixi em outras estrelas.
Foi conhecer um novo lugar – que deve estar achando superlativamente incrível.
O que antes não era possível, agora é líquido, canino e certo. Para todo o lugar que eu for, Pitoco vai comigo.
Meu melhor companheiro de viagem.
Vai fazer falta, velhinho.