Punk sacro em East Village

Quem diria que Patti Smith deu início à sua carreira apresentando poesias em uma igreja

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Por Fabiana Caso
Atualização:
Patti Smith durante show:tudo começou com a declamação de um polêmico poema numa igreja Foto: Ditte Valente/AP

Por que não começar este roteiro sonoro por uma igreja? Isso mesmo: a St. Mark’s Church (131 East 10th Street, East Village) tem sua parcela de “culpa” na história punk. Basta, aliás, um olhar mais atento para perceber de cara que há muito mais do que orientação religiosa por trás da igreja com mais de 300 anos de história. 

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Há placas que anunciam a intensa programação cultural do tradicional  The Poetry Project (projeto de poesia), com leituras de poemas e espetáculos de dança, entre outras manifestações artísticas. No pátio, cada árvore plantada tem uma placa em homenagem a artistas que se foram – uma delas é dedicada ao poeta beat Allen Ginsberg, que costumava ser um dos que se apresentava com frequência por ali, bem como William Burroughs e tantos outros autores consagrados.

Foi no projeto de poesia da igreja que Patti Smith conseguiu uma vaga, com a ajuda de seu então companheiro, o fotógrafo Robert Mapplethorpe, para a primeira das “leituras” de seus poemas – ou melhor, performance. Patti não queria fazer uma tediosa leitura convencional de poemas, seguindo o que seu ídolo Arthur Rimbaud (1854-1891) já classificava como bossal no século 19. 

St. Mark's Church in-the-Bowery, noEast Village: festival de poesia existe até hoje - e Patti Smith ainda vai lá Foto: Kate Glicksberg/NYCGO

Ela pensou num fundo musical para seus poemas, algo visceral que traduzisse a atmosfera das palavras em uma experiência sonora. Ou melhor, uma pedrada. Para o final de um dos poemas que acabava com um acidente de carro, por exemplo, ela tinha em mente microfonia guitarrística que evocasse o caos descrito. Patti angariou o acompanhamento do guitarrista Lenny Kaye, e com ele, causou polêmica e admiração, inaugurando sua carreira com um pontapé expressivo.

Em 10 de fevereiro de 1971, a igreja estava repleta, não apenas de escritores, mas de figuras-chave do underground musical da cidade, incluindo o séquito de Andy Warhol, Lou Reed, Todd Rundgren (que viria a ser o produtor dos álbuns de Patti), Richard Hell e outros rock-baluartes. A apresentação nada ortodoxa das nove peças de Patti Smith, um misto de leitura e canto (acompanhado da guitarra de Kaye) causou frenesi e impacto na audiência (ouça a performance no vídeo a seguir). E certa polêmica com a organização do evento.

Patti credita a apresentação como o ponto de partida para o álbum Horses, lançado quatro anos depois, e para a própria cena da cidade. Afinal, o que poderia ser mais punk do que levar uma guitarra elétrica para a apresentação de poesia e entoar o verso “Jesus morreu pelos pecados de alguém mas não os meus” dentro de uma igreja? A frase, que abre a versão idiossincrática dela para a canção Gloria, composta por Van Morrison, foi dita nessa apresentação pela primeira vez, parte do poema Oath. 

Se você estiver em Nova York em alguma virada do ano, aproveite para acompanhar a maratona de poesia anual promovida pela igreja, geralmente no primeiro dia do ano novo. Patti Smith não é figura rara nesses eventos

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