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Refugiados não são viajantes

Nosso viajante recebeu centenas de e-mails de parabéns pelo recorde da rainha da Inglaterra, pediu que agradecêssemos a todos e solicitou que lembrássemos que, “unfortunately, não tenho nada com essa história, exceto a admiração por Elizabeth II”

Por Mr Miles
Atualização:

A seguir, a correspondência da semana.

Querido mr. Miles: sou sua admiradora, mas não sei se ainda me resta algum interesse de percorrer o mundo depois das imagens que tenho visto de refugiados agredidos, mortos e naufragados na tentativa de viajar para um lugar melhor. Acho que o mundo, my friend, não merece ser conhecido.  Annemarie Skoulis, por e-mail “Well, my dear: entendo e compartilho de sua revolta. Discordo, however, de seu raciocínio. Como já disse e, cansativamente, repito, o mundo deveria ser uma extensão de nossos backyards. Há, unfortunately, grupos de pessoas que, por motivos religiosos, políticos, econômicos, raciais (and whaterver else...), julgam-se donos de certos espaços da Terra, arvoram-se em querer expandir suas ideias e fazem-no com violência, impondo castigo, submissão ou morte.

 

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Essas pessoas, darling, não merecem ser visitadas, conhecidas ou apreciadas, o que confirma, of course, a sua tese. Mas só há um meio de liquidá-las para sempre: abrindo suas cabeças, permitindo que elas tenham acesso a ideias libertárias e conhecimento amplo; rompendo suas fronteiras mentais bestializadas e fazendo-as entender que, no século 21, o mundo não é mais uma disputa territorial entre seres que habitam cavernas.

Em outras palavras: bringing them light! 

Estou devastado com a violência proveniente desse autodenominado estado islâmico (assim mesmo, em minúsculas). Como já estive, antes, com outros povos em outros tempos – incluindo, shame on us, nós mesmos, os outrora arrogantes britânicos. Mas, viajando por tantos anos, vi os povos dando passos adiante, antecipando-se à tirania e insurgindo-se contra os donos da verdade.

 Modestamente, sugiro que essa seja a sua atitude – e a dos demais leitores que se sentem, as yourself, ultrajados.  Não viajar mais para mostrar seu repúdio é digno e aceitável. Unfortunately, isso apenas beneficia os déspotas que querem impor a seus povos a apatia proveniente da ignorância. 

Você diz, sobre os refugiados, que eles são ‘agredidos, mortos e naufragados na tentativa de viajar para um lugar melhor’.

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Não é verdade, my dear: refugiados não são viajantes em busca de melhores lugares. São fugitivos que, quase sempre, adorariam continuar desfrutando do lugar onde nasceram – e no qual tornaram-se vítimas e párias. 

Nós, humanos, porém, somos egoístas e impiedosos. Não queremos – exceto em casos nobres, como o da tradicional diplomacia brasileira – receber essas pessoas desesperadas. Ao invés de buscarmos soluções, trabalho e espaços sociais para toda esse gente, preferimos xingá-los ou espancá-los como aquela cinegrafista húngara, da estirpe das víboras, que vi, aqui em Londres, nos canais de televisão.

Conheci uma linda italiana que se dizia completamente favorável à expulsão dos estrangeiros que, em suas palavras, ‘invadem o território nacional’. Ela passou, suddenly, a me parecer a mais feia das criaturas. Usei, para ela, o melhor dos exemplos que conheço: o do Brasil, onde não existe um povo único. O brasileiro é, por definição, o espantoso e exemplar resultado da mistura dos povos.

O que não resulta, sempre, em bons governantes. Mas, certainly, gera excelentes viajantes. Don’t you agree?” É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS 

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