Roteiro pela Estrada de Santos tem guias no trajeto e pode ser feito em vários ritmos

Agora dá para percorrer a Caminhos do Mar sem pressa e a pé, fazendo paradas onde guias explicam mais da natureza ao redor e das histórias que marcam a estrada

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Por Ana Lourenço
Atualização:
Rancho da Maioridade, construído em 1922, era usado como ponto de descanso durante a viagem entre SãoPaulo e Santos Foto: Felipe Rau/Estadão

Em um cantinho da cidade de São Bernardo do Campo, há um refúgio que parece ter sido resguardado pelo tempo. A Caminhos do Mar, mais conhecida como Estrada Velha de Santos, protege uma densa floresta e toda sua fauna, parte dela em extinção. Além de riqueza natural, o trajeto tem importância histórica – Dom Pedro I passou por um trecho desse caminho quando se dirigia a São Paulo, antes de proclamar a Independência do Brasil, em 1822.

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Os 9 km da estrada, que cortam o Parque Estadual da Serra do Mar, já podiam ser percorridos com acompanhamento de um guia especializado. No entanto, desde o último domingo, o visitante tem mais autonomia e pode fazer o percurso livremente, por conta própria, encontrando os guias somente nos sete pontos estratégicos do trajeto. 

“Dessa maneira é possível atender um número maior de visitantes. E, com isso, mais pessoas conhecerão a importância do local e nos ajudarão a preservar”, acredita Nilton de Oliveira Peres, gestor da estrada. De acordo com a organização SOS Mata Atlântica, restam, hoje, apenas 12,4% da floresta que existia originalmente no território nacional. 

Tudo verde ao redor

Sempre fui viajante de natureza. Todas as minhas férias incluem algum parque, bosque, trilha ou praia. Adoro o barulho dos pássaros e o cheiro de mato. Sou louca pelas visões panorâmicas diante de picos, montanhas ou vales. E, talvez por isso, fiquei tão feliz quando soube que iria para a Estrada Velha de Santos – um lugar na montanha, rodeado de verde, em plena Mata Atlântica, e com uma visão indescritível da Baixada Santista.

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Até então, minha única referência de estrada para Santos era a famosa música de Roberto Carlos, de 1969, As Curvas da Estrada de Santos. Porém, muito diferente da velocidade que o cantor tanto esbanja na letra, as curvas do antigo trajeto, quando percorridas a pé, trazem paz e tranquilidade para aquele que se atenta ao entorno.

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As famosas curvas da Estrada Velha de Santos Foto: Felipe Rau/Estadão

Ao chegar, por volta das 9 horas da manhã, o céu estava coberto de nuvens e um vento forte batia no meu rosto. Começamos a caminhar e, pouco depois de ver o mar, o céu se abriu e um sol forte nos acompanhou até o fim do percurso. O som de cigarras e grilos foi substituído pelo dos pássaros e, em vez de andarmos pela beira da estrada, passamos a, inutilmente, buscar sombras no trajeto. 

“Achamos a vista espetacular. Acabamos aprendendo com as guias, claro, mas a vista é o principal atrativo. Quando passávamos pela Anchieta, olhávamos pela janela para ver a vista. Aqui, podemos parar e apreciar com calma”, conta o médico Vinícius Alvarenga, que, junto com a irmã, Renata Alvarenga, fez o passeio na estrada pela primeira vez. 

Como é o caminho

O trajeto completo tem duração de 4 a 5 horas, com opções de descida (entrada por São Bernardo do Campo, na Rodovia SP-148, Estrada Caminho do Mar, km 42) ou subida (por Cubatão, na Rodovia SP-148, Estrada Caminho do Mar, km 51, próximo à Refinaria Presidente Bernardes). A intensidade é moderada (ao menos na descida) e toda a estrada – que, vale dizer, não possui desvios e variantes – é asfaltada, com muros de pedras e cabo de aço ao longo do percurso. 

Cachoeiras do caminho não são para banho - mas dão vontade! Foto: Felipe Rau/Estadão

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No entanto, é importante lembrar que, mesmo que você esteja disposto a tanto, é proibido fazer de uma só vez os 18 km de ida e volta. Assim, a melhor opção é agendar o retorno com carros de aplicativos. Atenção: o sinal de celular é intermitente dentro do parque. Marque um horário e o siga rigorosamente, para encontrar o motorista no estacionamento do ponto final. 

Outra opção são os ônibus fretados de empresas privadas. Nesse caso, as companhias incluem também guias de turismo (mais informações na página 10). Para os aventureiros que desejam ir com carro próprio, a melhor opção é fazer somente meio trajeto. Nesse caso, indico a descida, que apresenta a maioria dos pontos turísticos até a metade da trilha. Aos visitantes mais velhos, com deficiência ou pessoas com carrinhos de bebê, é indicado o roteiro Caminhada Leve pelo Planalto, uma trilha de 3 km com pouco desnível.

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Por conta do vento forte, não fui muito picada por pernilongos e borrachudos, comuns ali. Ainda assim, não esqueça de levar o repelente (você pode não ter a mesma sorte). Vale lembrar também que o parque não conta com estabelecimento para comprar água ou comida. Há apenas dois bebedouros no início e no fim do passeio. Por isso, não se esqueça de levar água e lanche para comer. Um piquenique cai bem com o visual. 

Apesar das cachoeiras pelo caminho, não são permitidos trajes de banho nem entrar nas águas, o que seria refrescante nos dias quentes. Tampouco são aceitos animais de estimação, bicicleta, skate, moto e carrinho de rolimã.

Padrão do Lorena com azulejos portugueses do século 18 e trecho em Macadame Foto: Felipe Rau/Estadão
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Como manda a cartilha do viajante consciente, não retire nada do lugar – nem mesmo uma florzinha ou muda de planta: é proibido. Assim como deixar qualquer resíduo. Ou seja: o lixo que você produzir deverá voltar com você. Traga também memórias e fotos (muitas fotos). Uma orquestra de bichos produz a trilha sonora do caminho, enquanto a paisagem se completa com orquídeas, palmeiras, pau-cigarras e uma infinidade de espécies que fazem com que o longo trajeto passe despercebido. 

Pontos de parada

Graças à sua grande riqueza natural, a Serra do Mar foi declarada Reserva da Biosfera da Mata Atlântica pela Unesco. Além disso, a maioria dos monumentos encontrados no trajeto da Estrada Velha foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado de São Paulo, nos anos 1970. Toda essa importância é refletida no trajeto: monitores aguardam os visitantes em sete pontos de parada para mostrar os detalhes históricos.

Em nossa visita, tivemos a companhia do gestor Nilton Peres e da guia Adnailza Filadelfo. Assim, fizemos a primeira parada na Casa de Visitas do Alto da Serra, construída em 1926, para servir como hospedaria para aqueles que vinham visitar a Usina Hidrelétrica Henry Borden. Em seguida, visitamos o Ponto Paranapiacaba – em minha opinião, a parada mais bonita. 

Mirante 'Curva do Uau', um dos melhores lugares para fotos Foto: Felipe Rau/Estadão

A construção de 1922, cujo nome significa “local de onde se vê o mar”, servia como parada para carros durante a viagem para a Baixada Santista. Os azulejos da parte exterior mostram um mapa rodoviário de 1923. Tanto a arquitetura quanto a vista chegam a arrepiar de tanta beleza. Nesse ponto, vale gastar um tempo a mais e tirar o máximo de fotos possível. Uma das minhas preferidas foi o panorama da Baía de Santos através de uma janela da antiga propriedade.

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Outra grande atração do passeio é a Curva do Mirante, apelidada de Curva do Uau, uma vez que essa costuma ser a reação dos visitantes ao chegarem ali. Por sorte, pegamos um dia com céu limpo e foi possível ver toda a Baixada – não fugi à regra e também soltei um “uau” ao ver o belo cenário.

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Chegamos, então, à Belvedere Circular, que marca o primeiro cruzamento da Calçada do Lorena com a Estrada Velha. Esse é o momento mais emocionante do passeio. Como explica a monitora Adnailza, a Calçada do Lorena é um caminho histórico por onde Dom Pedro I passou antes de dar o Grito do Ipiranga. “As pedras foram restauradas em 1992, mas o trecho original ainda está preservado”, conta ela. A calçada também é o local que requer mais atenção no passeio, uma vez que musgos encobriram as pedras, fazendo o caminho ficar bastante escorregadio. A dica é pisar na parte com terra ou com o pé na lateral, para ter menos chances de tombos dolorosos. 

Jararaca-da-mata observada durante o passeio Foto: Felipe Rau/Estadão

O Rancho da Maioridade, que, antigamente, servia como ponto de apoio para os carros da estrada, hoje marca a parada para o lanche. Uma vez que está na metade do trajeto, é onde os grupos se separam – aqueles que fazem o trajeto menor voltam a partir desse ponto. Quem continua a viagem tem como próxima parada o Padrão do Lorena, um memorial circular com azulejos portugueses do século 18. Adnailza conta que o local foi construído em homenagem a Bernardo José Maria de Lorena, o governador-geral da capitania de São Paulo entre 1788 e 1797. Foi ele também quem mandou construir a calçada, que, aliás, leva o seu nome.

Finalmente, chegamos ao Pontilhão do Raiz da Serra, que marca o fim do trajeto e reforça a importância histórica do local. A estrada foi a primeira rodovia da América Latina a ser pavimentada com concreto, em 1926. Antes de ser inaugurada a Via Anchieta, em 1947, a Estrada Velha era o único caminho para se chegar a Santos.

Avistamos, então, nosso motorista e, ao entrar no carro, não hesitei em cantarolar sobre preferir as curvas da estrada de Santos, ilustrando a canção com as centenas de fotos e vídeos que fiz durante a viagem.

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