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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Só os bons (e espiritualmente evoluídos) devem viajar no assento do meio

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Por Gilberto Amendola
Atualização:
O desconforto é inevitável no assento do meio Foto: Edgar Su/ Reuters

Quis o destino, e a minha preguiça por check-ins antecipados, que a mim estivesse reservado aquilo que não se pode pronunciar. Em algumas culturas, ele é conhecido como ‘o coisa ruim’; em outras, como ‘cramunhão’. Mas a denominação mais comum é... O ASSENTO DO MEIO. 

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Rezo uma Ave Maria toda vez que vejo um cartão de embarque cujo número do assento é seguido pela letra B ou E – o que significa, em 90% da vezes, que você viajará espremido entre dois seres desconhecidos e, eventualmente, flatulentos. 

O desconforto é inevitável. Por um lado, não se tem o prazer visual de quem está sentado na janelinha; por outro, não se desfruta a liberdade de quem pegou o corredor (principalmente naquela hora de se levantar para ir ao banheiro). No meio, acreditem, só nos resta o silêncio e a coisificação.

Lá, no meio, você é o tapume que separa duas vidas, o muro que pode estar dividindo Lennon e McCartney, Sullivan e Massadas, Harry e Meghan ou Zé Colmeia e Catatau. No assento do meio, você pode ser o entrave, o empecilho entre a doença e a vacina, a fome e a comida, a solidão e o amor da vida (um “empaca love” de carteirinha).

Nessa microssociedade de castas que se ergue instantaneamente no interior de uma aeronave você é o figurante da Malhação. Você vem depois de toda a tripulação, dos Brâmanes da primeira classe, dos que pagaram um extra para esticar as pernas e também de quem foi acomodado na saída de emergência (e que são considerados aptos para pelo menos não atrapalhar em caso de emergência).

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Acomodado na poltrona do meio, você está localizado, exatamente, no ponto cego da aeromoça. E quando for descoberto, vai ser apenas para passar a bandeja de café da manhã para o passageiro que está ao seu lado. 

Pois é, de tanto ser o cara que fica no meio, eu desenvolvi uma teoria reconfortante: ocupar esse tipo de assento é uma missão. É preciso sabedoria para exercer o papel de quem está no meio. Quem viaja no meio é o detentor de um poder moderador. É uma espécie de juiz no Supremo Tribunal Federal de uma aeronave. Quem viaja no meio precisa ter aquele algo a mais, aquela característica rara e quase em extinção, o bom senso. Quem está no assento do meio precisa ter um coração maior. 

Os escolhidos para essa nobre missão precisam saber aguentar os chutes de uma criança mala, o ronco barulhento de um homem cansado e o desespero desalentado de quem tem medo de voar. Quem senta no meio precisa ter talento para o diálogo, saber cruzar assuntos, ser multitarefa e generoso. 

Só quem tem o sol em Libra (como Gandhi) ou o ascendente em Peixes (como eu, a Sheila Melo e uma das Kardashians) pode ocupar esse espaço tão desafiador sem causar desconforto. O ideal seria que as companhias aéreas definissem o assento de cada passageiro de acordo com um mapa astral – evitando, por exemplo, posicionar um escorpiano ao lado de alguém de Gêmeos. 

Sendo assim, aceito o papel que o destino me reservou. Serei sempre um homem comum, o típico passageiro vocacionado a se sentar no meio. Humildemente. #Paz.

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