Um ano depois da tragédia de Brumadinho, um guia de como visitar Inhotim

Instituto (assim como a maior parte da cidade) não foi afetado pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão e está no centro da recuperação do turismo da região

PUBLICIDADE

Por Anelise Zanoni
Atualização:
Arte complementa a beleza natural do Instituto Inhotim, em Minas Gerais Foto: Washington Alves/Estadão

Os pingos de chuva molhavam devagar as altas árvores dispostas lado a lado nas trilhas do Instituto Inhotim quando embarcamos em um dos carrinhos de golfe que circulam pela vasta área da propriedade em Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte. O cheiro de mato molhado e o canto de diferentes pássaros e cigarras nos acompanharam na visita naquela manhã. Nada que pudesse fazer lembrar a tragédia de um ano atrás, quando pelo menos 230 pessoas morreram com o rompimento da barragem do Córrego do Feijão

PUBLICIDADE

Protegido por um cinturão verde e enriquecido por pinturas, esculturas, fotografias e instalações de cerca de 60 artistas de 38 países, o Instituto Inhotim - assim como a maior parte da cidade de Brumadinho - não foi afetado pela tragédia de 25 de janeiro de 2019. Ainda assim, viu 50% de seus funcionários terem perdas diretas com o ocorrido e uma redução brusca no número de turistas.

Mesmo antes do acidente, Inhotim tinha vocação para fortalecer a comunidade, atraindo para a região visitantes que fazem bate-volta a partir de Belo Horizonte ou preferem estender a visita (o recomendado é usar dois dias para ver as galerias com calma). Outra possibilidade é usar o museu-parque como parada no caminho para Ouro Preto.  

Ao programar uma visita, o turista encontrará atividades que podem incluir shows, passeios guiados e uma agenda intensa - além, é claro, das 23 galerias de arte e 560 obras espalhadas ao longo de 140 hectares. Um passeio pelos três eixos (laranja, amarelo e rosa) é um convite para diferentes experiências sensoriais, capazes de mexer com os cinco sentidos e de resgatar memórias da vida.

Concreto do prédio contrasta com o espelho d'água e o verde da natureza de Brumadinho Foto: Washington Alves/Estadão

Novidades

A tentativa de retomar o número de visitantes do Instituto Inhotim após o acidente com a barragem coincide com a inauguração de novas instalações:

Robert Irwin: a obra sem título é feita em concreto, aço inox e vidro artesanal e tem 6,3 metros de altura por 14,6 metros de diâmetro. Fica próxima à conhecida Beam Drop, no eixo laranja.

Publicidade

Visão Geral: Na galeria Mata (eixo amarelo), a exposição coletiva traz obras de vários artistas brasileiros. Entre elas, Mix (Boom), de Alexandre da Cunha; Barril de Petróleo; de Iran do Espírito Santo; e Seção Diagonal, de Marcius Galan.

Yano-a:  O trabalho exibido na galeria de Claudia Andujar (eixo rosa) foi desenvolvido a partir da apropriação de uma fotografia em preto e branco de uma maloca Yanomâmi incendiada.

O Sombra e Água Fresca: Localizado no eixo laranja, é o maior jardim do Instituto e tem 32 mil metros quadrados.

Em frente ao lago em Inhotim, estão plantas como samambaias, palmeiras, ipêse um imenso tamboril Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Tem pouco tempo? Use os carrinhos

PUBLICIDADE

Nossa visita começou logo após a abertura do Instituto, às 9h30, numa manhã chuvosa. Percorrer o Inhotim de carrinho custa R$ 30 além da entrada (R$ 44), e, à primeira vista, pode parecer um passeio de preguiçoso. Mas para quem quer ver (quase) tudo em um dia, é o melhor investimento.

O trajeto é um luxo, porque a partir dele surgem paisagens incríveis que mesclam obras de arte feitas por artistas do mundo e pela própria natureza. Samambaias gigantes, palmeiras, flores de vermelho intenso, ipês, orquídeas e um exibido tamboril em frente a um lago aparecem no percurso. 

Para aproveitar melhor o passeio, a sugestão é focar em um dos três eixos do parque e seguir viagem. Iniciamos a jornada pela rota laranja, a maior e mais farta em atrativos. 

Publicidade

Magic Square # 5, de Hélio Oiticica, foi produzida após a morte do artista, seguindo suas orientações Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Como visitar

Eixo laranja

Tendo como ponto de partida a recepção e a loja de design, uma das primeiras paradas da trilha laranja é a galeria da artista carioca Adriana Varejão. A textura lisa do espelho de água em frente ao prédio forma uma imagem moderna que mescla o verde das árvores e o efeito impessoal do concreto do prédio. Logo no jardim está a Panacea Phantastica, um conjunto de azulejos com a pintura de 50 tipos de plantas alucinógenas. 

Ao entrar na galeria, respire fundo. A artista fez esculturas que parecem tripas humanas dentro de azulejos brancos. O impacto tem justificativa: a obra foi inspirada no desabamento do Hotel Linda do Rosário, ocorrido no Rio em 2002 e que matou um casal.

Adriana Varejão fez esculturas que parecem tripas humanas dentro de azulejos brancos Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Sair da galeria e ingressar no Jardim Veredas Tropicais foi alívio para olhos. Inspirado em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, a área faz uma leitura das paisagens brasileiras por meio de espelhos d'água e buritis. Bancos de madeira em formato de troncos convidaram para a contemplação.

O trabalho Jardim Veredas foi inspirado em 'GrandeSertão', clássico de Guimarães Rosa Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Ali pertinho, desde setembro de 2019, há um outro jardim: Sombra e Água Fresca. A nova área passou por um processo criativo de quase 10 anos liderado pelo paisagista do Inhotim, Pedro Nehring. Hoje são cerca de 700 espécies, entre plantas nativas e exóticas. O legal do espaço é a proposta multissensorial: quem passa pode comer as frutas que nascem nas mais de 80 espécies de plantas. Para os visitantes e sabiás que adoram voar por ali, há fartura de lichias, mangas, jabuticabas e bananas.

Saindo do jardim a bordo do carrinho, avistei de longe uma curiosa árvore pendurada por pés de aço. Era a obra de arte Elevazione, do italiano Giuseppe Penone. A árvore é uma castanheira centenária feita em bronze. Ao lado dela, cinco árvores foram plantadas para que, com o tempo, sustentem a obra com seus galhos e folhas.

Publicidade

Em 'Elevazione', de Giuseppe Penone, galhos das árvores ao redor vão sustentar a castanheira suspensa quando crescerem Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Mais adiante, numa área pasto rasteiro, estão dezenas de pesadas vigas de ferro comidas pelo tempo e enterradas em uma piscina de concreto. A obra Beam Drop, do americano Chris Burden, foi instalada em 2008, em uma performance que durou 12 horas. Na época, teve a participação de um guindaste para desorganizar as barras.

Ali pertinho está outra novidade, uma obra do americano Robert Irwin com 6,3 metros de altura por 14,6 metros de diâmetro. Em concreto, aço inox e vidro artesanal, traz mais uma experiência multissensorial, porque podemos entrar na obra, que ganha tonalidades diferentes com a luz do sol.

Além de mostrar a criatividade de artistas em espaços generosos, Inhotim também tem peças interativas. Na galeria Marilá Dardot relembrei os galpões de um sítio de família. O prédio com paredes vazadas abriga letras em cerâmica e objetos de jardinagem. A ideia é formar palavras, que futuramente se transformarão em flores e em pequenas plantas. Escolhi a letra inicial do meu nome, "A". Dentro dela, coloquei terra fofa e algumas sementes de amor-perfeito. Depois, escolhi um lugar embaixo das árvores e deixei a chuva abençoar minha pequena obra.

A alguns passos da galeria, uma piscina com degraus lembra uma agenda telefônica perdida no meio do mato. Entretanto, é mais uma obra que nos surpreende. A Piscina, assinada por Jorge Macchi, é atração nos dias de calor: é permitdo nadar na água transparente.

Pelos hectares do eixo laranja há também obras que nos incomodam. Na galeria Psicoativa Tunga uma ampla sala contornada por vidros tem elementos ligados à mitologia pessoal, como pentes, tranças e tacapes, que fazem crítica ao espaço e ao comportamento humano.

Eixos amarelo e rosa Quando me disseram que para visitar o Inhotim seria necessário pelo menos dois dias, achei que fosse balela de quem gosta de viajar devagar. Ao encontrar as primeiras galerias e obras espalhadas pela mata, percebi que realmente é preciso tempo para percorrer o Instituto e digerir seu conteúdo.

Em todos os ambientes há sintonia entre o mundo criativo da arte e os elementos da natureza. Até na hora do almoço temos momentos de contemplação. No amplo restaurante Oiticica, por exemplo, a decoração alva e os paredões com vista para o verde convidam para uma refeição tranquila. O local funciona com self-service, que custa R$ 69 o quilo (R$ 59 às quartas-feiras) e tem pratos vegetarianos e veganos.

Publicidade

Restaurante Oiticica, com paredes brancas e comida self-service Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Saindo dali, partimos para um roteiro pelas trilhas amarela e rosa, que, na minha opinião, reservam as peças de maior impacto e contraste. A obra do carioca Hélio Oiticica está pertinho do restaurante homônimo e é composta por coloridos paredões que fazem fronteira com um lago - perfeitos para fotos instagramáveis. A Invenção da Cor, Penetrável Magic Square # 5 faz parte de um grupo de seis trabalhos que se espalham em torno da praça e formam um labirinto a céu aberto. A obra foi executada após a morte do artista, que deixou explicado em projeto como gostaria que fosse instalada.

Também em frente a um lago, a galeria True Rouge é um susto aos olhos. Em uma sala branquíssima, o artista Tunga reuniu vidros que lembram recipientes de laboratório com líquidos vermelhos, que remetem ao sangue humano. Por vezes, a instalação lembra um útero.

Obra de Tunga, no Inhotim, reúne vidros com líquidos vermelhos, que remetem ao sangue humano Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Outro destaque do roteiro é a galeria da fotógrafa Claudia Andujar. Nascida na Suíça e radicada no Brasil, ela produziu mais de 400 fotografias com o povo yanomami na Amazônia brasileira. O trabalho é singular: conseguimos captar a alma e as emoções dos fotografados. As imagens foram feitas entre 1970 e 2010 e mostram, numa viagem no tempo, a radical mudança na vida dos indígenas.

Fotografias de Claudia Andujar, de 1970 a 2010,mostram mudançana vida do povo yanomami Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

Em meio à mata também passamos por um terreno embarrado e abrimos a porta de uma esfera cestavada. Ali dentro, uma retroescavadeira e uma árvore branca feita de polietileno de alta densidade lembra intervenções do homem no meio ambiente. A De Lama Lâmina é assinada pelo americano Matthew Barney e nos deixa com uma pergunta: como a máquina foi parar dentro de uma esfera?

Dentro de uma área entre os ricos biomas da Mata Atlântica e do cerrado, o Inhotim tem como ponto de encontro um majestoso e alto tamboril, onde nosso passeio foi se encerrando. A árvore centenária fica no coração do parque e está ali desde a época em que a região era apenas uma vila. 

Da Lama Lâmina, de Matthew Barney, é um dos destaques do Inhotim Foto: Anelise Zanoni/Travelterapia

ANTES DE IRTempo: Reserve pelo menos um dia inteiro para percorrer o Instituto (o ideal são dois) e logo na entrada solicite um mapa. O ideal é escolher um dos eixos para começar a visita.

Horários:  De terça a sexta, das 9h30 às 16h30; sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Fecha às segundas.

Publicidade

Ingressos: A entrada inteira custa R$ 44. Nas quartas-feiras é gratuito, mas é preciso reservar o ingresso online no site Sympla. Crianças de 6 a 12 anos, pessoas com mais de 60 anos, estudantes e professores têm meia entrada. Moradores de Brumadinho têm entrada gratuita, mas precisam se cadastrar no Instituto.

É gratuito: Estacionamento, bicicletário, uso de fraldário e guarda-volumes. Há visitas orientadas gratuitas que ocorrem das 11h às 14h. Informe-se na recepção.

Transporte interno: Um carrinho elétrico com motorista fica à disposição dos visitantes de terça a sexta, das 10h às 16h, e fins de semana e feriados, das 10h às 17h. O transporte custa R$ 30 por pessoa. Crianças de até 5 anos não pagam. O carrinho é gratuito para pessoas com deficiência (mais um acompanhante).

Como chegar de ônibus: Há duas empresas que fazem o trajeto de Belo Horizonte para o Inhotim. A Belvitur tem transporte que sai do hotel Holliday In (Rua Professor Moraes, 600, bairro Funcionários). O ônibus parte às quartas, sábados, domingos e feriados às 8h30 (nos demais dias depende da quantidade mínima de 4 passageiros). De terça a sexta-feira, o retorno é às 16h30; aos sábados, domingos e feriados, às 17h30. A passagem custa R$, 60 ida e volta, e R$ 35 somente volta.

Já a Saritur tem transporte que sai da Plataforma F2 da rodoviária de Belo Horizonte. O ônibus parte às 8h15 e retorna às 16h30. Sábados, domingos e feriados, é às 17h30. A passagem custa R$ 41,05 ida e R$ 37,15 a volta.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.