Viagem entre Brasil e África do Sul traz paisagens que vão muito além de céu e mar

Foram 14 dias cruzando o Oceano Atlântico a bordo do luxuoso navio Silver Whisper

PUBLICIDADE

Por Mari Campos
Atualização:

CIDADE DO CABO - “À esquerda, vocês podem avistar a ilha brasileira de Trindade.” Bastaram estas palavras do capitão Angelo Corsaro num fim de tarde para os quase 300 passageiros do luxuoso navio Silver Whisper correrem para os terraços e deques da embarcação e se acotovelarem para ver, ao longe, a mítica ilhota no meio do oceano. A excitação era compreensível: não bastasse ser um dos mais remotos pedaços de terra do mundo, estávamos então há mais de 48 horas sem ver nada além de água no horizonte, desde que deixamos o Rio. A travessia do Atlântico Sul pelo navio da Silversea ia do Brasil à África do Sul em 14 dias de navegação com apenas três escalas no roteiro: Ilha de Santa Helena, território britânico; Walvis Bay, na Namíbia; e Cidade do Cabo, no desembarque na África do Sul. Com muitos dias de puro céu e mar, era o roteiro perfeito para os amantes de navegação, das histórias de travessias atlânticas e conquistas dos mares. Para mim, era a realização de um desejo de infância: percorrer às avessas, e com uma bela dose de conforto, a rota que Amyr Klink tinha feito na década de 1980, sozinho e num barco à remo, de Walvis Bay a Paraty, relatada no livro Cem Dias Entre Céu e Mar. Sim, porque se Amyr tinha cruzado o Atlântico na direção oeste com comida racionada e intempéries climáticas, nós cruzávamos na direção leste com gastronomia Relais&Châteaux, uma belíssima seleção de vinhos, cabines confortáveis (todas com vista externa e 90% delas com varanda, serviço de mordomo e amenities Bulgari ou Ferragamo, à escolha do cliente) e um mar que se mostrou tranquilo a maior parte do tempo - exceto quando alcançamos a corrente de Benguela, já na costa africana. A frustração foi o fato de o arquipélago de Martin Vaz ter sido ultrapassado de madrugada, impossibilitando sua visão. Mas no saldo final era impossível se cansar da falta de paisagem além de céu e mar com tantas opções de entretenimento a bordo - sem contar o espetáculo do pôr do sol com que éramos brindados nos fins de tarde e a surpresa de avistar, repentinamente, baleias e golfinhos acompanhando o navio. O espírito de exploração também dava suas caras, claro: todos os dias, a agenda era tomada por palestras ministradas por especialistas nos destinos da rota. E ia além: aulas de culinária africana, o uso da astronomia na navegação, competições... Cada passageiro ali pagava pelo menos US$ 5 mil por sua cabine, com tudo incluído - até mesmo open bar com grandes vinhos e marcas, serviço de quarto 24 horas e gorjetas. Apenas spa, excursões e internet eram cobrados à parte. Em cada uma das escalas havia pelo menos cinco opções de tours, para contemplar gostos e faixas etárias distintos. Quem preferisse explorar a escala por conta própria podia usar gratuitamente os serviços de ônibus do navio ao centro da cidade.

Vida a bordo. De dia, o clima era de puro relax, com pessoas desfilando em havaianas, bermudas e saídas de praia por todo o canto, num entrosamento entre hóspedes de mais de 20 países e tripulação igualmente diversa - e prestativa. O próprio capitão Corsaro esteve acessível todos os dias, circulando pelas áreas sociais do navio em suas horas de folga. Simpático, o italiano era só sorrisos e contava suas histórias em vários idiomas, inclusive o português. Toda noite, ele recebia alguns dos hóspedes do navio em sua mesa, para jantar e papear. À noite, o figurino variava entre casual, informal e formal, de acordo com a programação. E todo mundo se produzia um pouquinho mais para jantar no mais sofisticado entre os quatro restaurantes do navio: o Relais&Châteaux Le Champagne. Depois do jantar, todos rumavam para o teatro para assistir ao espetáculo do dia (de covers da Broadway a excelentes shows de jazz). Quem ainda tivesse fôlego continuava a noite em um dos quatro bares do navio - meu preferido era o The Bar, onde o filipino Oliver preparava martínis e outros coquetéis entre malabarismos e piadas. O mais reconfortante era saber que, apesar da grande aventura de atravessar o Atlântico, não importava o que pedíssemos para ser preparado, a resposta era sempre a mesma: why not (por que não)?Terra à vista. Depois de seis dias desde a partida do porto carioca, atracamos pela primeira vez na Ilha de Santa Helena, em um domingo pela manhã. Por este pedaço de terra perdido em meio ao oceano passaram o corsário Francis Drake (1540-1596) e o naturalista Charles Darwin (1809-1882), além de ter servido de exílio para Napoleão Bonaparte até sua morte, em 1821. Apenas 900 visitantes ao ano passam por ali - e a sensação de estar entre este seleto grupo não poderia ser melhor.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.