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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Viagem para a Praia Grande (com a alma cheia de areia)

Foi lá que eu comecei minha carreira de viajante

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Por Gilberto Amendola
Atualização:
O Monza ia se arrastando pela Rodovia Imigrantes. Dentro dele, rolava Roberto Carlos (da fase “música de motel”), Agepê ou algum programa noticioso de rádio AM Foto: José Patricio/Estadão

Não foi a Big Apple, foi a Praia Grande. Foi lá que eu comecei minha carreira de viajante. Eram as férias de julho, meados dos anos 80, a família inteira metida em um Monza vermelho (não tenho certeza da cor, mas a título de impressionismo penso que o vermelho sirva). Meu pai no volante, minha mãe grávida no banco do passageiro (com a variável: minha mãe carregando minha irmãzinha no colo); eu e minha vó no banco de trás (às vezes com a minha irmã no cadeirão). Fechar o porta-malas era um parto. A gente acabava levando roupas demais, panelas, guarda-sol e toda uma tralha que nunca precisaríamos. 

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O Monza ia se arrastando pela Rodovia Imigrantes. Dentro dele, rolava Roberto Carlos (da fase “música de motel”), Agepê ou algum programa noticioso de rádio AM – lembro da voz do jornalista José Paulo de Andrade. A janela do lado do meu pai ficava sempre aberta. Na época, ele ainda fumava (Carlton), e a quantidade de cigarros consumidos era proporcional ao trânsito que enfrentávamos. Não tenho certeza, mas acho que o carro tinha aquela marcha (manopla) de sirizinho ou caranguejo.

A vó era a responsável por me distrair. E fazia isso muito bem– me ensinando palavrões ou reclamando do cheiro de cocô. Eu ria com expressões do tipo: “fizeram cocô na Marginal” ou “fizeram cocô na Praia Grande”. Meus pais não tinham apartamento na praia, eles alugavam uma kitchenette em um condomínio cujo o nome eu amo até hoje: Trem das Onze.

O Trem das Onze era extremamente popular e reunia aquilo que muita gente chama, de um jeito preconceituoso, de “farofeiros”. Sim, eu fui e ainda sou um “farofeiro”. Os apartamentos eram minúsculos: duas beliches, cozinha e banheiro. Óbvio que não havia ar-condicionado. Nas noites quentes, a melhor opção era deixar a janela aberta e se entregar de banquete aos mosquitos.

Durante o ano, meus pais guardavam trocados em uma caixa de sapato. Na hora da viagem, a família contava as moedinhas e o valor total era quase sempre para gastar com o filho mimado (minha irmã era muito pequena). 

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A hora da praia era o maior barato. A família toda fantasiada de banhista. Maiôs e sungas no maior estilo anos 70. Eu com um chapeuzinho maroto e muito protetor solar no rosto. Minha irmã ia no carrinho. Meu pai levava o guarda-sol e a esteira. E eu o seguia com um baldinho. A gente demorava uns 15 minutos pra escolher um lugar bacana – perto do mar, mas não muito. Lembro de como eu achava incrível a habilidade de papai na hora de montar o guarda-sol. 

Na areia, gostava de cavar buracos que, na minha cabeça, iriam me levar até o Japão (não, naquela época ninguém era terraplanista). Meu pai tomava latinhas de cerveja. Eu ficava no refrigerante, no pastel de queijo e no maravilhoso (que água na boca) peixe-porquinho com limão. De sobremesa, picolé de fruta. E naquela época, todo picolé de fruta vinha com um palito premiado – dando direito a outro picolé de fruta.

No mar, só ia no fundo com o meu pai por perto. Tinha medo. Gostava de pegar jacaré (surfe deitado) com uma prancha de isopor. Nunca tive vocação para esportes radicais. Fazia muito xixi no mar, sorry. 

Voltávamos na hora do almoço para o Trem das Onze. Com a alma suja de areia, mas contentes. Lembro uma vez que minha mãe inventou de usar a panela de pressão dentro do kitchenette. A coisa quase explodiu lá dentro. O resultado foi a família inteira correndo para o corredor e minha vó atirando a panela de pressão pela janela. 

Faz uns 30 anos que não volto para o Trem das Onze. Ainda assim, a Praia Grande continua sendo um dos destinos que mais me trazem boas lembranças. Pois é, não foi na Big Apple. Foi na Praia Grande.

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