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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Vídeos de segurança de voo – o musical

Por que nos vídeos sobre normas de segurança de voo tem sempre alguém sorrindo?

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Por Gilberto Amendola
Atualização:
Ficção. Ao sair do avião, infle o colete como quem assopra uma bola de sabão Foto: Chaiwat Subprasom/Reuters

Por que nos vídeos sobre normas de segurança de voo tem sempre alguém sorrindo? Estão rindo de quê? “Senhores passageiros, estamos no meio de uma emergência, mas vamos nos comportar como figurantes de uma comédia musical da Broadway. Aproveitem nosso serviço de bordo e mantenham a inabalável postura de um Playmobil otimista. Afinal, o que de mais prazeroso poderia acontecer que não essa belíssima turbulência? Afivelem seus cintos e respirem com o diafragma, por favor.”

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Imediatamente, os passageiros iniciam uma coreografia épica e heroica – mais intensa do que a de Les Misérables. A voz de barítono do piloto ecoa por toda a aeronave. As aeromoças rodopiam em barras imaginárias de pole dance. Na última poltrona da classe econômica, ergue-se um herói improvável, um sujeito misterioso, que todos imaginavam ser um terrorista, mas que agora discursa emocionado, misturando elementos de autoajuda, cientologia e grêmio estudantil. Com esse monólogo, ele convence a todos que basta acreditar (mas acreditar do fundo do coração) que nada de ruim irá acontecer. 

Vamos combinar uma coisa: situações de emergência a 42 mil pés de altitude não são divertidas. Manter a calma é fundamental, mas se comportar feito alguém que engoliu uma caixa de ansiolítico não orna com o calor do momento. 

Nos vídeos de segurança todo mundo está meio chapado. Tem uma clara desconexão entre o perigo ali representado e o semblante angelical dos passageiros (reais ou virtuais). Percebam a tranquilidade com a qual eles procuram os flutuadores debaixo dos seus respectivos assentos. Parece que estão todos se preparando para descer um tobogã gigante em um resort de luxo. Chuáaa, o maior astral! “Ao sair do avião, infle o colete como quem assopra uma bola de sabão e curta o momento.” Se o avião estiver caindo ou, Oxalá, fazendo um pouso de emergência na água, o comportamento de qualquer ser humano não lobotomizado será um tiquinho mais histérico. É medo de morrer que chama. E é totalmente compreensivo.

Voar é seguro, é gostoso e não me mete medo. Eu recomendo muito e, se pudesse, viveria pulando de aeronave em aeronave. Mas não dá pra imaginar uma sequência de procedimentos de segurança sendo executada com a calma de um mestre em tai chi chuan. Nem alguém que tenha conseguido zerar na arte do budismo teria o poder de se manter tão alheio. Não é verossímil que o sujeito não desarrume sequer o cabelo ou não tenha uma marca de suor escandalosa debaixo do braço.

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Fico especialmente chocado com a parte da despressurização, com o momento em que as máscaras de oxigênio caem na nossa frente. Nesse caso, o passageiro dos vídeos de segurança simplesmente suspiram tranquilamente, como se aquele evento fosse um mero infortúnio, e delicadamente colocam a máscara no próprio rosto – puxando o elástico com cuidado para não borrar a maquiagem. Depois, só depois, o passageiro se vira para a criança que está ao seu lado, uma criança absolutamente silenciosa e tranquila, mais educado do que o terceiro filho de Kate Middleton, e lhe aplica a máscara de oxigênio. Falo por mim, sou tão atrapalhado que, em uma situação dessas, a máscara iria parar no joelho e a criança... Ainda bem que não tenho filhos. 

Eu não me incomodaria tanto com esses vídeos se, ao final de cada exibição, aparecesse na tela aquela mensagem clássica: “Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”.

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